"A expressão de Kevin era tranquila. Ainda exibia uns restos de determinação, mas esta já deslizava para a empáfia arrogante e serena de um trabalho bem feito. Os olhos dele estavam estranhamente desanuviados – imperturbados, quase pachorrentos – e, reconheci a transparência daquela manhã (…) Aquele era o filho estranho, o menino que largara o disfarce vulgar e evasivo do quer dizer e do eu acho e o trocara pelo porte de chumbo e pela lucidez do homem que tem uma missão” página 443.
Antes de completar 16 anos, o adolescente Kevin Khatchadourian comete uma chacina no ginásio de seu colégio, nos subúrbios de Nova York. Kevin usando uma balestra, dispara flechas contra sete colegas seus, uma professora e um funcionário da cantina, matando e ferindo sem um explicação plausível. Eva, a mãe de Kevin, na tentativa de entender-se e de buscar respostas para o que aconteceu, escreve cartas para seu marido ausente, onde relata sua incapacidade como mãe de aceitar um filho que rejeitou antes mesmo de seu nascimento.
Impossível calar depois da leitura de “Precisamos falar sobre Kevin”. Primeiro, o silêncio, a sensação de cansaço, de dor, de perda. Depois, a sensação de raiva, de incompreensão. E, por último, a certeza de que é possível recomeçar!!! Com uma riqueza de detalhes e uma excelente argumentação, Lionel Shriver, através de Eva, nos leva a percorrer uma estrada, cujos caminhos também são possibilidades para a descobertas de outros territórios, de outras moradas. Com uma linguagem-lâmina que corta, cinge e fere, Eva nos tira do chão/porão e nos remete a outras moradas antes não percorridas. Durante a leitura tudo é trajeto, estrada sem fim. Quanto mais percorremos Eva, mais nos afastamos dela, quanto mais encontramos Kevin, mais fugimos dele, de nós, tantos nós… Precisamos falar de Kevin dói, destrói e em certos momentos corrói, feito pedra que não aceita a flor-dor! Entretanto, a leitura faz-se útero para receber a palavra que não quer calar, que só quer dizer. E assim que encontra o leitor, a palavra sufoca-o, desloca-o. Então, tudo é silêncio! A respiração torna-se agitada, o coração delimita seu ritmo/íntimo. Chegar ao fim, estrada sem fim, é escolha, partida, recomeço! Encontrar respostas para tanto, tudo; é mundo… Que façamos a escolha mais possível!!!