A história do personagem que vou analisar é a história de Joaquim, um menino que sonha em ser adulto o mais rápido possível, pois sente-se incapaz de ter um pingo de imaginação e achava que ser criança era coisa no mínimo muito chata. Joaquim quando quer convencer-se do sonho que a vida adulta pode lhe proporcionar, insiste em deixar de lado a necessidade de fantasia, comum a todo o ser humano, porém manifestada de forma mais aberta na infância. Para ele, ainda "O Pai" é a palavra do poder. É o pai, que, por ser adulto, tem as respostas para tudo. Joaquim era amado por seus pais, exatamente porque era um menino "ajuizado". Essa posição sagrada de chefe de família, detentor do poder, é retomada em A máquina fantabulástica". Essa crença no poder e no saber do pai, deixa Joaquim numa situação de apenas espectador. Aceita passivamente as ordens do pai, abrindo mão de sua liberdade de opinar. Não foi educado para pensar. A máquina fantabulástica tematiza a opressão de Joaquim ante a família que não lhe permite o direito de ser. Quando encontra no elevador um bilhete "do povo do treze" e uma "espada", pensa logo em guardá-la, pois seria uma prova para que as pessoas acreditassem nele. Nota-se a preocupação do menino de que os adultos chamem de mentira o seu mundo "imaginário", que começa a se revelar. Desejam-no obediente e dócil em vez de uma criança questionadora. O desdobramento do relato está fundamentado, justamente no deslocamento no espaço; porém o problema dos heróis está centrado dentro deles. Ao chegar no mundo fantástico, comandado por uma máquina que transforma sonhos em realidade, descobre que, para voltar para casa, terá que ajudar a consertar a máquina fantabulástica que está desregulada. Terá então que passar um bom tempo naquele lugar. Joaquim, então, inicia suas aventuras acompanhado por Panchanhe, do qual se tornará amigo. Essa busca é a busca do reencontro das virtudes que previamente o personagem tem, mas que não sabia que tinha. Essa estada de Joaquim no mundo fantástico, será o seu encontro consigo mesmo. O que se pode observar é que, para a criança afastar-se da proteção materna, somente o fará por um motivo muito forte. O desejo da aventura de conhecer novas terras é maior que o desejo de permanecerem aquecidos pelos braços maternos. Enquanto os adultos nesta obra são representados como empecilhos para a realização do sonho da descoberta, Joaquim começa a ver o mundo onde não há limites entre a realidade e a fantasia. Começa a pregar a sua verdade individual e sem coleiras, começa a perceber um mundo diferente daquele que era acostumado a contemplar apenas da sua janela. Joaquim, que até agora só enxergava o mundo a partir da ótica de seus pais, vê-se diante de um fato novo. Encontra um boneco que fala e ainda por cima que tem nome. Apesar de suas diferenças, Joaquim vai encontrar na companhia do boneco, as experiências que transformarão sua vida. Acontece, então, o despertar da consciência de Joaquim. O menino, que só esperava que o tempo passasse depressa, para se tornar adulto, começa a viver sua primeira aventura na companhia do boneco Panchanhe. O ato de falar do boneco é fundamental para que o menino e o boneco se reconheçam como iguais, com as mesmas potencialidades e desejos. Ao reconhecer no boneco um "ser falante", permite-se a ideia de começar a brincar. Joaquim tem, agora, a liberdade para falar, quando quem apenas falava por e para sua infância eram os adultos. É interessante observar como a autora da obra estabelece a relação real/mágico numa ótica perfeitamente adequada à criança. Parece perceber que na criança a realidade e a fantasia são uma só. Longe das fadas mas com muita fantasia, a obra de Simone Saueressig problematiza problemas da sociedade atual, seja na busca da identidade perdida da criança, seja no aspecto das relações humanas. Esse menino que não consegue mais perceber o encanto das brincadeiras infantis, que sonha apenas em dormir para que o tempo passe e se torne logo adulto, parece ser o sonho da nossa criança atual. A vontade do menino de voltar a ser criança e assim redescobrir a capacidade de usar a imaginação, passa a ser uma das leituras possíveis, para aquelas crianças que também já abandonaram o desejo de ser criança. Nesta medida, a produção de Simone Saueressig aqui analisada, escrita numa linguagem simples, ajusta-se à evolução mental e ao amadurecimento da criança, trazendo-a, deste modo, da esfera do real para o sonho, remetendo-a à fantasia, uma vez que a autora tem consciência de que, para ela, aí não existem fronteiras. O despertar de Joaquim é a volta natural da tendência da criança para apreender o mundo, através, não da razão, mas da emotividade de seu eu. É o encontro do menino com ele mesmo. É a descoberta da autoconfiança e crescimento interior. A relação de Joaquim com o mundo adulto não impede a continuidade de sua ação libertadora. Na companhia de seu amigo fiel, ele começa a encontrar a coragem para enfrentar os desafios. Embora sabendo que seu pai jamais se aventuraria a descer a escada, busca ele, agora, a sua identidade. Não quer ser chamado de covarde. E por admirar a coragem de seu amigo, resolve enfrentar os medos e ir em frente. Embora ainda precise de alguém que o ajude. É esse questionar-se de Joaquim, é esse choque de verdades, que começam a determinar o crescimento do personagem, na busca de sua infância. Aquele "mini" adulto, mais acostumado a seguir o princípio da realidade, do que o do prazer, descobre-se transgredindo tudo aquilo em que mais acreditava. O crescimento de Joaquim dar-se-á, a partir do momento em que fica sozinho, longe de seus melhores amigos e necessita tomar decisões importantes. As situações que serão enfrentadas proporcionarão uma reorganização das percepções do mundo e, desse modo, possibilitarão uma nova ordenação das experiências de Joaquim. No momento em que o balão em que viajam é destruído por um raio, e seus amigos acabam caindo no mar e perdendo-se dele, é que Joaquim inicia sua nova busca: a busca da identidade perdida. Necessita encontrar seus amigos para salvá-los. É no momento de sua busca que encontra Sinfonia, uma sereia, que vai ajudá-lo a descobrir a inteligência, a coragem, a determinação e a esperteza, qualidades adormecidas pelo sonho de se tornar adulto. É esse caminho que percorre o personagem Joaquim. De menino passivo passa a ser um menino confiante, que consegue ocupar o seu espaço. Nessa história a alternativa não é obedecer e ser premiado ou desobedecer e ser castigado, esquema consagrado pela tradição pedagógica dos contos. A questão agora do menino é o que fazer para atingir o objetivo almejado: encontrar seus amigos. Ao reencontrar seus amigos e salvá-los, Panchanhe não consegue despertar e Gio Luna, acha que o boneco morreu de verdade. Joaquim não aceita a morte do amigo e pede que "a fada" traga seu amigo de volta. Joaquim que não assistia a desenhos animados, não lia histórias em quadrinhos, não tinha um mínimo de imaginação e achava que ser criança era coisa muito chata, agora descobre-se um menino que acredita em fada. Passa, então, a gostar de sua própria idade, aproveita tudo o que pode, enquanto espera, sem pressa, a hora de seu adulto. Descobre como é importante ser criança e redescobre a capacidade de usar a imaginação e as brincadeiras infantis, coisas adormecidas há muito tempo. A imaginação, antes alojada no passado, agora solta as rédeas. O menino, emocionado, pede à fada que salve seu amigo Boneco. Seu desejo e a crença de que fada existe é tão forte, que o boneco acaba acordando, despertando para a vida. É também o despertar de Joaquim. Acorda o sonho de ser criança A viagem prossegue, rumo às Ilhas Encantadas. Querem chegar logo na Ponte de Cristal para consertarem o defeito. Ao se aproximarem da ponte, Panchanhe pergunta a Joaquim se ele está preparado para ir para casa e ele responde que não estava pronto para ir para casa, de jeito nenhum. Ao decidir ficar, escreve uma carta a seus pais explicando tudo. Tudo estava terminado. A Máquina havia sido consertada. Era só alguém chamar o elevador que nunca mais teriam problemas. Felizes, começam a comemorar a vitória, quando escutam o som de uma lata e ossos pelo ar. Era Sineta que voltava Para se vingar do boneco. O boneco lamenta por não ter mais a sua espada. Estavam encurralados. De repente, Joaquim lembra-se que poderia ajudar seu amigo. Corre para o elevador e procura a espada que havia escondido. Consegue recuperá-la, mas nesse instante alguém chama o elevador e Joaquim não tem tempo de decidir se ficava para sempre no 13º andar ou se voltava para casa. Só dá tempo para atirar a espada antes do elevador se fechar completamente. Quando Joaquim entrou no 13° andar, era um garoto cujas características já discutimos. Quando voltou ao mundo real estava mudado. Percebe que nunca mais conseguirá voltar ao mundo mágico do 13° andar. Mergulha então nos livros em busca de aventuras e descobre novos mundos e personagens interessantes. O menino passa a aproveitar mais a sua própria idade e tudo o que pode, enquanto espera a hora de ser adulto. Descobre o mundo da literatura e as muitas emoções que os livros podem proporcionar. Através de Joaquim, Simone Saueressig mostra que a criança tem um lugar reservado. Que a criança deve ser livre para poder construir sua própria história. Acompanhar o crescimento do personagem Joaquim é reafirmar o prazer do encontro com um texto que, para além de falar à criança, ou ao adulto, diz-no do humano em suas infinitas possibilidades de construção.